Brasiléia: Cidade da fronteira amazônica acossada por eventos extremos se descobre em risco de mudar de lugar

Fabio Pontes e Gleilson Miranda
dos varadouros de Brasiléia
(Jornalismo em rede: Varadouro/Sumaúma)

Ripa por ripa, telha por telha, aos poucos a casa de madeira vai sendo desmontada. Tudo precisa ser tirado com cuidado para não estragar. A moradia será reconstruída bem longe das margens do rio. A mudança forçada é a solução possível para Ana Alice Soares, de 25 anos, moradora do bairro Leonardo Barbosa, na cidade acreana de Brasiléia, a 240 quilômetros da capital, Rio Branco. Ana Alice é uma das primeiras deslocadas ambientais de um dos municípios mais impactados por eventos climáticos extremos na Amazônia. Em menos de um ano, entre março de 2023 e fevereiro de 2024, a casa de Ana Alice foi atingida por duas grandes enchentes do Rio Acre.

“Não dá mais para conviver com isso. Todo ano é a mesma coisa. A gente mal saiu de uma alagação no ano passado e agora de novo. É difícil. A gente perde as coisas, os móveis, tudo que rala tanto pra conquistar”, diz a dona de casa. Por muito pouco sua moradia não foi levada pela correnteza do rio, e os balseiros arrastados pela força da água. A mesma sorte não tiveram alguns de seus vizinhos.

O bairro Leonardo Barbosa, na periferia de Brasiléia, fica numa curva bastante fechada do Rio Acre, formando uma letra U em que as pontas se juntam um pouco. Nas enxurradas, a água sobe, cobre a parte aberta e o bairro vira uma ilha no meio da Amazônia. A piada local é que será incorporado pela Bolívia, país logo ali na outra margem do rio.

Neste ano, na enchente da virada de fevereiro para março, a força do rio rompeu um trecho da rua dos Catraieiros, a principal da comunidade, fazendo com que também a rua virasse ilha. A prefeitura usou embarcações para entregar cestas básicas e água mineral. Quando as águas baixaram, uma obra emergencial reconectou a comunidade à cidade.

Ana Alice vai refazer a casa num terreno ao lado de onde mora a sogra, Iranira de Melo, no mesmo bairro. Ela vivia num seringal na Bolívia e se mudou para a região, mas também sofre com a cheia: “Em 2012 foi a primeira grande alagação que a gente pegou desde que vim morar aqui. Depois, 2014 e 2015. Não aguentei e comprei um terreninho lá pra parte alta, mais longe do rio”. Junto com os parentes, Iranira ajuda a nora a organizar os pedaços de madeira salvos da casa desmontada. “A casa dela só não foi levada por um tronco de castanheira porque ele ficou enganchado ali no asfalto. Não fosse isso, a casa dela e a de todo mundo aqui iam ser destruídas. Era um tronco enorme”, lembra. Segundo a prefeitura, 42 famílias ficaram sem suas moradias na cidade e não têm para onde ir.

Ana Alice e Iranira Melo são vítimas da tragédia social e ambiental provocada pelos eventos climáticos extremos nessa porção da Amazônia. A cada ano, enchentes e secas severas se alternam, pondo em risco a vida de comunidades urbanas, Ribeirinhas, Indígenas, rurais e extrativistas ao destruírem roçados, criações de animais e fontes de água para consumo. Segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, parceiro da Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Migrações, só em 2022 foram registrados mais de 708 mil deslocamentos em decorrência de desastres socioambientais no Brasil. Eventos que transformaram pessoas como Ana Alice e sua sogra em deslocados climáticos.

Cidade submersa: centro de Brasiléia com ruas tomadas pela enchente do Rio Acre, em fevereiro. Foto: Gianfranco S. Aguiar/Comunicação PMB)

Ameaçada, Brasiléia planeja mudar de lugar

Em Brasiléia, não apenas as famílias do bairro Leonardo Barbosa estão de mudança: a prefeitura avalia mudar parte da cidade para outro local, reconstruindo longe do rio prédios administrativos, o centro comercial e alguns bairros. A Brasiléia centenária, que nasceu às margens do Rio Acre em 1910 e virou município em 1938, não sabe quantas inundações mais poderá suportar. Prédios como a prefeitura, a Câmara Municipal, o Fórum, órgãos estaduais e federais ficam submersos a cada grande cheia.

De acordo com a prefeitura, novos conjuntos habitacionais serão construídos para abrigar as pessoas que vivem em áreas de risco – entre elas, toda a população do bairro Leonardo Barbosa, que já não é mais um lugar seguro. Ao todo, 420 famílias necessitam deixar suas casas.

“Não é fácil mover uma cidade de 113 anos de lugar. Além da questão econômica, há a questão cultural, laços culturais muito fortes. São pessoas que têm a vida inteira na margem do rio: comércios, casas”, explica a prefeita Fernanda Hassem (PP). Segundo ela, o prejuízo provocado pela alagação na infraestrutura urbana de Brasiléia chega a 56 milhões de reais. Dos 15 bairros, 12 foram atingidos, o que representa 75% da área urbana. “A proposta é construir conjuntos habitacionais na parte alta, apresentar uma moradia segura para as pessoas. A prefeitura não quer acabar com a parte baixa da cidade. Ela faz parte de nossa história, mas precisamos oferecer opções para aqueles que não têm para onde ir.”

Desde 2012 a população de Brasiléia passou a conviver com uma rotina de grandes cheias durante o inverno amazônico. Naquele ano, o rio ficou na marca de 14,55 metros. Pela primeira vez nos anos recentes, o Brasil tomou conhecimento das imagens da cidade acreana coberta pela água. Em alguns pontos, só era possível ver o teto das casas. Andar pela região central, apenas em embarcações como catraias e voadeiras.

As cenas se repetiram em 2023 e 2024. Neste ano, o Rio Acre alcançou a marca de 15,58 metros. Ficou 3 centímetros acima da cota de 2015, até então considerada a maior enchente do município. Em 2023, o volume foi de 13,62 metros.

Mudança forçada: Ana Alice Soares terá que desmontar sua casa e reconstruí-la mais longe do rio (Foto: Gleilson Miranda)

Quando a reportagem chegou a Brasiléia, em 22 de março, havia duas semanas que as águas tinham baixado. Caminhões-pipa faziam a lavagem das ruas, e ainda era possível sentir o cheiro da lama deixada pelo rio barrento. Muros, paredes e assoalhos exibiam as marcas da água. Mesmo com o rio de volta ao leito, as ruas seguiam desbarrancando nas margens, e avisos alertavam sobre riscos de desmoronamento.

Brasiléia também carrega outras marcas. Como as das facções criminosas espalhadas pela região. No que sobrou da quadra de esportes e da pracinha do Leonardo Barbosa, as pichações da facção B13 deixam claro quem domina o território. No Acre, o grupo é aliado do Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção paulista que chegou à Amazônia para controlar a rota do tráfico de drogas produzidas nos países vizinhos.

A proximidade de Brasiléia com a vizinha cidade boliviana de Cobija, capital do departamento de Pando, deixa a população vulnerável à disputa pelo mercado internacional de drogas. Jovens das periferias são as principais vítimas. Os que não são cooptados pelo crime resistem como podem a uma rotina de muitas violências: a ausência do Estado para assegurar melhores condições de vida, o medo imposto pelo crime e os impactos das enchentes, que carregam o pouco que possuem.

Virando ilha: no bairro Leonardo Barbosa, o Rio Acre destruiu parte da rua dos Catraieiros, isolando a área por algum tempo (Foto: Gleilson Miranda)

Nas margens, uma esperança teimosa

Num cenário de privações, há também resistência, sobrevivência e esperança de dias melhores. Janaína Souza, de 23 anos, mora no bairro Samaúma, banhado pelo Rio Acre. Sua história é uma entre as de muitas mulheres das periferias da Amazônia, numa juventude sempre vivida às margens – do rio e de qualquer possibilidade de mobilidade social.

Janaína nasceu em Senador Guiomard, município vizinho à capital acreana, e ainda adolescente foi morar em Rio Branco, no bairro Taquari – outra comunidade marcada por violências e omissões do Estado, e sempre a primeira a ficar alagada em período de cheias. Em busca de melhores condições de vida, a família se mudou para Brasiléia, mas a realidade do Samaúma não é muito diferente.

“Foi o lugar mais barato que a gente achou para comprar um terrenozinho. A gente deu uma entrada, depois parcelamos. Tem alagação, mas pelo menos é um lugar nosso, não pagamos aluguel”, afirma Janaína. O marido de Janaína, com fortes dores na coluna, não consegue trabalhar. A única fonte de renda do casal vem do trabalho de Janaína como digital influencer.

Vídeos de seu cotidiano no Samaúma, postados em redes como Kwai, Tik Tok e Instagram, lhe rendem até 600 reais por mês. Durante a enchente, ela contou a vida como moradora de um abrigo mantido pela prefeitura e mostrou sua casa de madeira totalmente coberta pela água. E assim consegue viver – ou sobreviver, como prefere definir.

Moradora do bairro Samaúma, Janaína ganha a vida relatando seu cotidiano; durante a alagação, relatou a vida no abrigo onde morou até as águas do rio baixarem (Foto: Gleilson Miranda)

“É difícil, não é fácil não, morar onde enche. A gente sempre tá com medo se o rio vai encher porque a gente nunca sabe da Natureza. Por exemplo, teve [inundação] ano passado e ninguém tava esperando esse ano, porque antigamente era de três em três anos, de cinco em cinco anos, e agora veio em menos de um ano outra enchente”, conta.

Em meio a tantas adversidades, ela não perde a esperança. Espera melhorar de vida com o trabalho nas redes sociais e se mudar com a família para bem longe das margens do rio. “Nunca tento ver o lado ruim das coisas, independente de qualquer situação. Tento ver o lado bom. Tenho que agradecer pela minha vida, estou com saúde.” Seus vídeos transmitem alegria, bom humor e serenidade.

Em frente à casa de Janaína está a de sua irmã, Dalvania Teixeira de Souza, de 29 anos. A morada de madeira de 2 metros por 2 sobreviveu à força da água, mas “ficou um pouco torta”. “A porta tá empenada, não fecha mais”, diz Dalvânia, que mora ali com a filha, que tem 4 anos, e o esposo. Os dois estão empregados. Ela prepara salgadinhos numa padaria, ele trabalha num frigorífico de porcos.

O banheiro ficava do lado de fora. O rio o levou. Agora, ela recorre ao banheiro da irmã quando precisa. O desejo delas é um dia saírem dali, mas falta dinheiro. “Se sair daqui a gente vai ter que pagar aluguel, e a gente não tem condições. O que a gente ganha é para sobreviver mesmo”, explica Dalvania.

Dalvania mostra a marca da água em sua casa, que ficou a estrutura abalada; sem ter para onde ir, permanecerá às margens do rio (Foto: Gleilson Miranda)

Era como se a gente não existisse’

Depois do bairro Leonardo Barbosa fica a comunidade Jaminawa 28 de Maio, a maior concentração de Indígenas em contexto urbano da região do Alto Acre e também sob o domínio da facção criminosa. Nos postes, a pixação B13 delimita o território. Jovens Jaminawa têm sido cooptados para atuar como “soldados” das facções.

Em toda Brasiléia estima-se que sejam mais de 80 famílias Jaminawa. Na 28 de Maio vivem 40. A presença do poder público na comunidade aparece apenas no fornecimento de água potável e rede elétrica. As ruas não são asfaltadas. Depois da alagação, a prefeitura distribuiu cestas básicas. Muitas moradias tiveram a estrutura comprometida com a enchente. Em cada uma, a marca de água mostra até onde o rio chegou.

Enquanto a reportagem conversava com a liderança da comunidade, um “olheiro” passava de moto para saber quem era e o que fazia ali. Só é possível estar seguro na presença de uma liderança local. Hoje a presidência da associação de moradores é ocupada por Marilza da Silva Jaminawa, de 37 anos.

“O maior desafio que enfrentamos ainda é o preconceito que nunca deixou de existir, e por muitos anos ficamos invisíveis, pessoas que não existem. Hoje, como liderança, vejo que temos mais atenção do município. Cresci aqui e a gente não tinha nenhuma assistência. Era como se a gente não existisse”, diz Marilza. “Eu gostaria que o Estado tivesse mais atenção ao Indígena que vive em contexto urbano, tivesse um cuidado mais especial. Temos a liberdade de estar onde queremos ficar. Não somos obrigados a estar nas aldeias como também não somos obrigados a estar nas cidades. Nós já temos grandes desafios, de passar por preconceito e muitas limitações.”

Os Jaminawa passaram a viver em Brasiléia há mais de 60 anos. A maioria veio das aldeias da Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre, no vizinho município de Assis Brasil, na fronteira com o Peru e a Bolívia. Ocupam a área de uma antiga fazenda. Em 2011 a prefeitura tentou a reintegração de posse na Justiça. Houve confronto com a polícia. Uma das lideranças foi atingida no olho por uma bala de borracha. Após intermediação do poder público, acordos permitiram a permanência deles na área.

‘Ficamos invisíveis’: para Marilza Jaminawa, Indígenas em contexto urbano são esquecidos pelas políticas oficiais (Foto: Gleilson Miranda)

Historicamente, os Jaminawa são um povo em constante movimentação. Espalham-se por quase todo o Acre, tanto nas aldeias quanto nas cidades. No contexto urbano, acabam ficando “descobertos” das políticas do governo federal executadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), que têm foco nos Indígenas aldeados. Invisibilizados na periferia de Brasiléia, os Jaminawa estão entre os grupos mais vulneráveis às enchentes do Rio Acre.

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Resistência seringueira embaixo d’água

O município de Brasiléia é um dos berços da resistência dos seringueiros acreanos contra a transformação dos seringais em pasto para boi entre as décadas de 1970 e 1980. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia foi um dos primeiros do Acre a organizar politicamente os seringueiros em sua luta contra os “paulistas” que chegavam à Amazônia incentivados pela ditadura empresarial-militar (1964-1985).

Ao lado de Chico Mendes, Wilson Pinheiro, o presidente do sindicato de Brasiléia, era uma das mais importantes lideranças do movimento. Na noite de 21 de julho de 1980, Wilson Pinheiro foi morto numa tocaia quando saía da sede da organização. Era a primeira morte de uma liderança expressiva na disputa entre os seringueiros e a jagunçada contratada pelos “novos donos do Acre”. Oito anos depois, Chico Mendes seria executado na vizinha cidade de Xapuri.

A sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais sobrevive como há quatro décadas, numa construção de madeira no centro de Brasiléia. A tinta branca das paredes está encardida com a lama do Rio Acre. A cada grande cheia, a água sobe até o teto. O sindicato se tornou símbolo da resistência seringueira e dos impactos dos eventos climáticos extremos nessa parte da Amazônia.

Em visita a Brasiléia no começo de março, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, lembrou a história do sindicato: “Esse é um trabalho [combate ao desmatamento] que eu tenho feito desde que me entendo por gente. Hoje fiquei muito emocionada quando a gente passou lá em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, que tem o nome de Wilson Pinheiro. Ele foi assassinado para proteger a floresta. Desde aquela época que a gente luta para combater o desmatamento, que é uma das causas das mudanças climáticas”.

Ao longo dos últimos 50 anos, Brasiléia é um dos municípios acreanos mais afetados pelo avanço do desmatamento. Nos mais de 230 quilômetros entre o município e a capital, já não há florestas. De toda a área desmatada no Acre, 75% estão no leste do estado, onde fica o município. Todo o entorno está ocupado por latifúndios de grãos e de gado. A última área de floresta, mas ainda assim pressionada pela expansão do agronegócio, é a unidade de conservação fruto da resistência seringueira: a Reserva Extrativista Chico Mendes.

Resistência: casa de Chico Mendes, em Xapuri, após a enchente. (Foto: Ronaira Barros)

O Rio Acre também sofre as consequências da ocupação da Amazônia nas últimas décadas. O manancial já perdeu quase toda a sua mata ciliar para a abertura de grandes fazendas. A cada verão amazônico, o nível fica abaixo de 2 metros, e é possível atravessar o rio a pé. No inverno, as cotas de transbordamento vão sendo superadas ano após ano, destruindo os roçados e as criações das comunidades Ribeirinhas. Maltratado e malcuidado, virou um rio de extremos, como diz o povo da região.

Sem teto, sem chão

A última alagação em Brasiléia deixou as moradias sem telhado. Quando as águas baixaram, os donos voltaram e viram que estavam, literalmente, sem teto. Muitas das coberturas foram parar sobre outras casas. No centro da cidade, na moradia de Antônio Braga Correia, de 56 anos, ficaram só as paredes. Sua residência provisória passou a ser a casa do irmão, na parte da frente do quintal. Mas lá também não está muito seguro. Apesar de a casa não ter sido arrastada pelo rio, as telhas estão frouxas. “Meu medo é uma ventania levar tudo”, diz ele.

Depois de resistir à cheia de 2023, Antônio não esperava outra num tempo tão curto. “Eu nem tinha me recuperado direito da alagação passada e já veio essa. A gente sempre acha que a água não vai subir muito, mas, quando vi, já estava acima das paredes. Não deu tempo pra salvar nada. O colchão ficou podre. Estava tão pesado que tirei de casa puxando com uma corda.”

O fruteiro na parte de trás do quintal, com pés de açaí e banana, foi todo perdido. Antônio ficou praticamente com as roupas do corpo. As que sobraram, colocou dentro de malas, pois o guarda-roupa ficou imprestável. Eletricista, ele trabalha conforme os pedidos. Não tem renda fixa. “Agora é trabalhar, esperar a clientela pra poder se recuperar.”

O que restou: do alto, sem a cobertura levada pela água, a casa de Antônio Correia é um vazio cercado de destroços (Foto: Gleilson Miranda)

As inundações em Brasiléia causam impactos profundos na economia local. Vizinha à Bolívia, a cidade vive do turismo de brasileiros que vão até Cobija para compras, estudo ou tratamento médico do outro lado da fronteira, onde os preços são menores. Sem ter universidade, Brasiléia também virou uma cidade universitária: é moradia dos brasileiros que estudam medicina em Cobija, o que fez com que os aluguéis explodissem.

Brasileiros e bolivianos dividem o mesmo espaço em bares e restaurantes, e um dos mais frequentados é o Renato Gastro Bar, de frente para o Rio Acre. Funciona há três anos e já foi inundado duas vezes, com água até o teto. O dono, Renato Oliveira, grava o antes e o pós-enchente e posta nas redes sociais. Diz que a “vantagem” de Brasiléia é que a população tem até 72 horas para sair de casa antes do transbordamento do rio, pois as inundações começam nas cabeceiras, na fronteira do Brasil com o Peru, entre o departamento de Madre de Dios e o Acre. “Quando a gente recebe a notícia de que o rio encheu lá em Assis Brasil, é só o tempo de tirar tudo até a água chegar aqui. Se encheu lá, a gente já sabe que o aguaceiro vem pra cá. É de lei”, explica.

Sobre o risco, quase se desculpa: “Eu sou muito consciente de que quem está no lugar errado sou eu. Se construí, se investi na beira do rio, o problema é meu. A gente sabia que uma hora ou outra ia transbordar, e foi o que aconteceu. A gente sempre tem aquela esperança de que não aconteça, mas também é consciente de que não podemos fazer nada. A gente faz o que é preciso fazer: retirar as coisas, esperar a água subir e a água baixar”.

Para Ana Alice, Antônio, Janaína, Marilza e tantos outros, morar em Brasiléia é buscar resiliência para conviver com o rio que está por lá há muito mais de cem anos. O Rio Acre seguirá seu curso, num ritmo já não tão previsível e cada vez mais agressivo diante de décadas de agressões. Brasiléia precisará se adaptar aos novos tempos – às margens ou apartada do rio.

Isolado: no centro de Brasiléia coberto pela água, um morador ilhado em cima de um telhado espera por ajuda. Foto: Comunicação da Prefeitura de Brasiléia